MP 527: REMÉDIO OU VENENO?
Regime Diferenciado de Contratações para obras da Copa e Olimpíada traz graves equívocos
João Alberto Viol*
A aprovação, ontem na Câmara Federal, da MP 527/11, que cria o Regime Diferenciado de Contratações (RDC), para acelerar a realização das obras para a Copa das Confederações (2013), Copa do Mundo de Futebol (2014) e Olimpíada (2016), carrega em seu corpo um grave equívoco: o de que basta mudar os ritos legais de contratação para agilizar as obras necessárias à realização desses megaeventos.
Ao aprovarem a proposta, os deputados federais apenas confirmaram o viés “torto” adotado pelo governo nesta questão e sua aparente cegueira sobre os potenciais prejuízos que essa decisão poderá trazer ao país.
O governo alega que essa modalidade de contratação integrada – a mesma empresa/consórcio será responsável por desenvolver os projetos e obras – será a melhor para o país, citando as contratações da Petrobras e as utilizadas pelo governo britânico como modelo inspirador.
Até aí, o.k. Mas, entre as coisas não ditas pelos que defendem essa modalidade, está o fato de que os britânicos utilizam o modelo de contratação integral de forma totalmente diferente – e não como solução emergencial para corrigir os problemas devido à falta de planejamento.
Londres começou a planejar as obras para os Jogos Olímpicos de 2012 sete anos antes, em 2005, quando criou a Olimpic Delivery Authority (ODA), responsável pela gestão e coordenação de todas as obras relacionadas à Olimpíada. As autoridades da capital britânica dedicaram dois anos para desenvolver, em detalhes, os estudos e projetos para os diversos itens necessários: parque olímpico, obras de transporte, de sustentabilidade ambiental, econômica e social, entre outras.
A construção, contratada com base nesses projetos completos, está sendo executada também rigorosamente dentro do cronograma e do valor global estipulado na contratação, com a qualidade definida nos projetos. Algo totalmente diverso do que está sendo proposto pelo RDC e, infelizmente, muito diferente do que tem sido a prática dos governos, nos seus três níveis, envolvidos com obras para 2014 e 2016.
Diferentemente dos britânicos, a proposta aprovada ontem pela Câmara prevê a possibilidade de alterações nos valores globais contratados para os casos fortuitos, que provoquem desequilíbrio econômico-financeiro do contrato. E, principalmente, em seu artigo 39, abre as portas para elevações de custos diversos para atender “às modificações supervenientes decorrentes de normas ou exigências apresentadas pelas entidades internacionais de administração do desporto (Fifa e Comitê Olímpico Internacional, COI) nos projetos básicos e executivos das obras e serviços referentes aos Jogos Olímpicos à Copa do Mundo Fifa 2014, desde que homologadas, respectivamente, pelo COI ou pela Fifa".
Alguns alegarão que a atual legislação brasileira de contratação de serviços e obras públicas, a Lei 8.666/93, está defasada e não permite a agilidade necessária ao desenvolvimento da infraestrutura do país. A Lei 8.666 certamente pode e deve ser aperfeiçoada. Mas atribuir apenas à legislação a ineficiência na execução das obras públicas é o mesmo que exigir que os carros movam os bois. O problema central é a falta de planejamento, que permite pensar antes, para fazer o necessário com o melhor projeto completo e detalhado. A contratação dos projetos executivos (completos) de arquitetura e engenharia pela melhor solução técnico-econômica são os insumos fundamentais para a boa construção, com custo e prazos adequados.
O principal problema da contratação integrada é que ela será definida com base em um anteprojeto, etapa anterior ao projeto básico e que já não é o melhor parâmetro para a contratação pública de obras. Essa opção joga no lixo o conhecimento acumulado pela arquitetura e engenharia brasileira.
Disso podem resultar possíveis vícios (escolha de sistemas construtivos e especificação de materiais pelo menor preço e nem sempre os mais adequados, ensaios preliminares em menor quantidade e abrangência do que o ideal, por exemplo), para garantir maior lucro no contrato. E não agilizará o processo porque, para apresentar proposta, a construtora/consórcio precisará realizar estudos e ensaios (topográficos, geotécnicos etc.) e desenvolver projeto básico e executivo para ter definição técnica e, principalmente, econômica da obra. Esse processo tem elevado grau de complexidade e não há como ser desenvolvido em curtíssimo prazo, sob pena de resultar em empreendimentos sem a qualidade e a durabilidade necessárias.
Esse erro conceitual grave permeia o equívoco da proposta do governo e poderá trazer, caso aprovado o RDC, mais problemas do que soluções. Na medicina, o diagnóstico deve ser embasado em exames completos e rigorosos, sob risco de prescrição de procedimentos e remédios inadequados. Da mesma forma, em obras públicas também é essencial o projeto completo, orientado por ensaios diversos e diagnósticos bem-executados. O RDC, se aprovado como está, poderá representar uma fonte de problemas, em vez de ser um remédio eficaz para a administração pública ter obras executadas mais rapidamente, com qualidade e a preços adequados.
*João Alberto Viol é presidente do Sindicato da Arquitetura e Engenharia (Sinaenco)
Fonte: http://www.sinaenco.com.br/noticias_detalhe.asp?id=956 - 29 de Junho de 2011.
Preocupação com o Regime Diferenciado de Contratação
Ainda na abertura da audiência, o presidente do Confea, Marcos Túlio de Melo, registrou sua preocupação com a aprovação pelo Congresso Nacional da Medida Provisória 527/2011 que inclui em seu texto o estabelecimento do Regime Diferenciado de Contratação (RDC), que permite flexibilização nas licitações para as obras da Copa. Um dos pontos inseridos na RDC é a contratação integrada, que significa a contratação da execução do empreendimento em conjunto com o projeto executivo e básico com a apresentação pelas empresas concorrentes apenas de anteprojeto de engenharia e arquitetura. "Do ponto de vista técnico, essa é uma preocupação muito importante. Esse regime de contratação integrada pode levar a um resultado indesejado, além de abrir brechas para corrupção. Como julgar um processo licitatório e decidir o projeto mais adequado se não é exigido no mínimo um projeto básico?", pontuou.
Túlio de Melo citou ainda sua preocupação com o sigilo que o RDC estabelece, a fim de evitar a formação de cartéis. "Mesmo que haja uma estimativa de custo, não se explicitar no momento da contratação o valor para aquele empreendimento e manter esse número em sigilo é muito preocupante".
Fonte: http://confea.org.br/publique/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=13217&sid=10&pai=8 (Beatriz Leal – Assessoria de Comunicação do Confea) – 21 de Junho de 2011.
Ordem na Casa
O Confea (Conselho Federal de Engenharia e Arquitetura) está elaborando emendas para a medida provisória aprovada pela Câmara que muda as regras das obras da Copa. Seu presidente, Marcos Túlio de Melo, entregará aos senadores propostas que alteram três pontos da MP: a contratação simultânea da empresa que elabora o projeto e de outra que o executa, o pregão eletrônico e o que prevê sigilo sobre orçamento.
Fonte: Folha de S. Paulo, E2 (Coluna da Mônica Bergamo)– 18 de Junho de 2011.
Comentário: O Confea se pronunciou. E o CREA-SP?
O problema é gravíssimo. É um absurdo o amadorismo do governo, que trata obras públicas como propaganda. O pior são os engenheiros e arquitetos que se calam diante dessa situação. Está na hora de mudanças.
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