Análise: Pedro Bara Neto e Claudio Maretti*
Há uma crença de que Deus fez poucos lugares como Belo Monte. Nesse caso, segundo nossos engenheiros, para uma represa. Se for verdade, tratamos muito mal essa herança divina. É verdade que o projeto já não é o mesmo de 20 anos atrás e juramos não fazer nenhuma outra represa Xingu acima. Mesmo assim, fomos apressados, descuidados, arrogantes, oportunistas, pouco transparentes e indiferentes. Fomos apressados para utilizar o lançamento de um grande projeto como instrumento político. Pela pressa, nos arriscamos em saltos de etapas críticas, tais como uma confiável investigação geológica ou o consentimento prévio das populações indígenas.
Fomos arrogantes em negar que o projeto tinha problemas, que não estava pronto para ser leiloado, que requisitos legais e compromissos internacionais estavam sendo feridos, que não podemos impor a modicidade tarifária compreços irreais, que não podemos criar consórcios na última hora, para depois deixar o País perplexo ante os que dela não quiseram participar como investidores!
Estamos sendo oportunistas em eleger as licenças ambientais como entrave para acelerar o crescimento da infraestrutura do País, a mesma aceleração que tanto colaborou para os deslizes de Belo Monte. Não estamos sendo transparentes ao lidar com as consequências desse processo no custo final do empreendimento, com os cuidados daqueles que devem assegurar os compromissos assumidos ou dos que têm acionistas ou controladores privados e vão ser cobrados pelo uso dos seus recursos. Não estamos sendo muito claros com o povo brasileiro, que corre o risco de pagar a conta das empresas públicas envolvidas nesse triste enredo. Finalmente, fomos indiferentes às expectativas das milhares de pessoas a serem impactadas, sonhadoras de uma melhor qualidade de vida pelas promessas até agora não cumpridas.
Mesmo que o projeto vá em frente, temos de repensar e a estratégia de avançar sobre os grandes rios da Amazônia. Primeiro, temos de investir mais em outras energias renováveis. Assim, vamos para um sistema mais diversificado e seguro e socialmente mais inteligente sem investir bilhões em um mega projeto distante do consumo e com reservatório relativamente pequeno, tão exposto aos ciclos hidrológicos e com secas cada vez mais próximas umas das outras.
* PEDRO BARA NETO É MESTRE EM ENGENHARIA E CLAUDIO MARETTI É DOUTOR EM GEOGRAFIA
Fonte: Jornal O Estado de S. Paulo, 02 de Junho de 2011, B5.
Comentário do Movimento Recriar o CREA-SP:
Profissionais da Engenharia:
1) Estão nossas entidades se envolvendo nas decisões desses enormes empreendimentos e avaliando os argumentos expressos no artigo acima?
2) Devem os engenheiros fazê-lo? Será que a ação de profissionais sós e isolados levará a resultados significativos? Senão, como habilitar as entidades a fazê-lo?
3) As argumentações dos profissionais do artigo acima merecem, no mínimo, ser consideradas para debate cujos resultados constituiriam fundamento para ação.
4) Avançar sobre a Amazônia é perdê-la. No passado perdemos o “Salto das Sete Quedas”, que cedeu lugar à Hidrelétrica de Itaipu. Jamais a teremos de volta. É o que pode acontecer com a Amazônia, o pulmão do mundo. Poderemos ser penalizados nas pessoas de nossos netos.
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